POR UM XADREZ COMPLETO
O TABULEIRO
PARTE I
Normalmente, temos o vício de não
valorizar muito as partes, os detalhes, as frações que caracterizam as coisas.
Somos muito mais atentos com o todo que aos fragmentos que o perfazem. Dessa
forma, na maioria das vezes, deixamos de lado muitas informações importantes,
que acabam por fazer falta na melhor compreensão e utilização do objeto de
interesse. Esse é um problema que vem se acentuando exponencialmente, ainda
mais com a informatização e a evolução tecnológica que está fazendo com que
tudo fique cada vez mais fugaz e instantâneo.
É exatamente isso que
acontece muitas vezes com o xadrez. Subestimamos algumas partes e
supervalorizamos outras, por falta de uma visão mais apurada e profunda de cada
componente que o constitui. Essa visão deturpada e limitada do jogo, faz com que
este seja mal aproveitado e, como já dissemos em outras postagens, seja
subutilizado, valorizando muito mais um segmento em prejuízo dos outros, quando
tudo que o compõem tem o mesmo grau de importância, caso contrário o xadrez não
existiria. É o que observamos hoje, já que o xadrez acabou por se tornar uma
ferramenta unicamente empregada em sua versão competitiva, de alto rendimento,
deixando para trás suas características pedagógicas e terapêuticas tão
primordiais e necessária no aperfeiçoamento de seus praticantes.
Para não cairmos nessa armadilha, procurarei
nessa e nas próximas postagens fazer uma análise mais aprofundada de cada
componente que perfaz o jogo de xadrez. Uma abordagem mais holística,
procurando respeitar as diversas culturas por onde o xadrez passou durante sua
longa história e que de alguma forma contribuiu na construção do jogo como o
conhecemos hoje, algo, infelizmente, muitas vezes relegado a segundo plano por
falta de conhecimento, interesse ou por algum tipo de preconceito.
Dessa maneira, daremos início à
nossa abordagem.
O tabuleiro do xadrez é um quadrado
subdividido em 64 quadrados menores (casas) alternando as cores claras e escuras,
sendo 32 casas claras e 32 casas escuras. É um quadrado formado por 8 colunas
por 8 fileiras.
Mas, porque o tabuleiro foi
elaborado dentro destas características? Será que isso foi pensado
conscientemente, ou foi por mero acaso que ele foi projetado assim?
Acredito que essas perguntas são fundamentais para podermos
compreender melhor a importância da concepção do tabuleiro, dentro do jogo de
xadrez.
O QUADRADO
Quadrado é uma palavra originada do
latim (QUADRARE, QUADRATUS), que significava “aquilo que foi cortado seguindo ângulos
retos”, originário de QUATTUOR, o número quatro (4).
Por ser rico em arestas, para o
conhecimento antigo, tal característica estava associado ao domínio da
racionalidade, da impessoalidade e da neutralidade Por ser completamente
simétrico e proporcional, não existia nenhum tipo de diferenciação, acabando
com qualquer tipo de tendencialidade, por isso nos causando uma sensação de impessoalidade
e neutralidade, qualidades fundamentais para que o xadrez fosse desenrolado num
plano sólido, sem parcialidades ou qualquer tipo de vantagem.
Sua forma sempre foi utilizada como
geometria preferida quando se desejava trabalhar a ideia de um plano objetivo,
graças à sua tridimensionalidade, espelhando exatamente a mesma dimensão que
vivemos.
Sua solidez acabava agregando aos homens significados como
firmeza, organização, solidez, estrutura, ordem e estabilidade. Elementos que
se buscava trabalhar no jogo de xadrez.
Como já salientamos em outras
postagens, o tabuleiro representa a ideia de espaço, pois é nessa área que
acontece a partida de xadrez. Seu formato quadrado era como as civilizações
antigas simbolizavam a imagem do espaço, tanto na representação de um plano
completo, como na representação do corpo dos seres vivos, do planeta, etc.
Isso, porque como ressaltamos acima, o quadrado simbolizava o limite do mundo
físico, daquilo que se encerra em si mesmo, de maneira inerte e derradeira.
Para Platão, filósofo grego, o
quadrado estava relacionado com a materialização das ideias, ou seja, era no
quadrado que o mundo das ideias se concretizava, exatamente como ocorre no
xadrez, já que é no tabuleiro o espaço onde todas as estratégicas serão
concretizadas, materializadas, onde as ideias serão materializadas. Daí ele
representar o corpo do homem como um quadrado, pois era nele que alma
concretizava suas ideias.
Outro fator importante, para o
conhecimento antigo, e que também foi responsável pela escolha do quadrado como
forma geométrica do tabuleiro, é que para eles cada um dos lados do quadrado
representava um dos elementos da natureza, no caso, terra, água, fogo e ar. Se formos
verificar a história do xadrez, uma das primeiras formas que o jogo foi
praticado, o Chaturanga (jogo dos 4 elementos), era com quatro bandos de peças,
onde cada um ocupava um lado do tabuleiro e representava um dos elementos. Se voltarmos
à representação platônica, o corpo do homem era um quadrado subdividido em
quatro veículos, cada um representando um elemento constituinte do corpo
humano: corpo físico, anímico, emocional e mental.
Para as civilizações antigas, os
quatro elementos simbolizavam entre outras coisas, os quatro pilares da
sabedoria humana, ou seja, ciência, religião, filosofia e arte. Daí o xadrez
ter essa dimensão de ser um jogo que nos eleva ao mundo da sabedoria, que nos faz
ficar mais inteligentes, uma ginástica mental, pois também traz esses quatro
elementos no seu tabuleiro.
Era considerado um jogo sagrado, o “jogo
dos reis”, e como os reis eram os grandes líderes religiosos de seu povo, o
xadrez carrega em seu cerne essa ligação com o sagrado. Um exemplo disto era
que seus templos antigos eram construídos em um formato quadrilátero. Um exemplo
famoso são as pirâmides que são construídas sobre uma base quadrada, sobre um “tabuleiro”.
Outro fator ligado ao sagrado, está
na imagem da cruz, símbolo fundamental de muitas religiões, e que quando se
divide o tabuleiro em quatro quadrados, se faz uma cruz que define com exatidão
o centro exato do quadrado.
Oito linhas partindo do centro do
quadrado, formam os eixos que indicam as quatro direções cardeais e os quatro
cantos do mundo, a divisão óctupla do espaço. Essa divisão na tradição europeia
era um emblema da divisão do dia e do ano. Assim, o tabuleiro representa toda a
duração de uma partida, e assim por diante...
Logo, o tabuleiro de xadrez esconde
significados que vão muito além de sua aparência, demonstrando que aqueles que
criaram o jogo, tinham como objetivo trabalhar elementos muito mais profundos
para nos ajudar a elevar nosso nível de conhecimento. Poderia ficar explanando muito
mais acerca da forma geométrica do tabuleiro, mas o que acho essencial é
observar que esse quadrado busca refletir o nosso quadrado e os diversos
elementos que constituem nosso quadrado existencial, seja internamente, seja
externamente. E que ao aprender a tirar o máximo que o tabuleiro pode
proporcionar para meu jogo, também me ajudará a aprender a utilizar o máximo da
potencialidade no tabuleiro da vida. Já que o tabuleiro simbolizava para os
antigos uma representação do mundo concreto, tecido de sombra e luz, onde se
alternavam e equilibravam as forças contrárias. Para eles o tabuleiro
representava o plano existencial tanto do homem como da terra, ou seja, o lugar
onde tudo nascia crescia, morria e renascia. Enfim, o tabuleiro é o grande
palco, onde tudo acontece e onde podemos aprender sempre.
Nas próximas postagens continuarei
explanando acerca dos componentes que formam o tabuleiro de xadrez.
Até a
próxima!!!