O XADREZ CONCEITUAL
Um dos maiores problemas para se
evoluir no xadrez é a necessidade de se memorizar gigantescas variantes de
aberturas e defesas. Se você buscar se especializar apenas em Ruy Lopez, por
exemplo, são centenas de páginas com milhares de variantes e sub-variantes, que
se você for tentar memorizar, você ficará perdido e, normalmente, depois de
algum tempo esquecerá muitas ou misturará as variantes entre si.
Outro problema na memorização é que,
muitas vezes, o adversário pode jogar lances que não estão naquela variante que
você memorizou e aí, você tem que tentar descobrir o lance na hora e todo
aquele esforço cai por terra, causando uma sensação de frustração.
Outro fator contrário à memorização
de jogadas, é que isto leva muito tempo e dependendo da idade, não se tem todo
esse tempo disponível para poder memorizar os lances estudados.
O que pretendo apresentar aqui é que
é possível trabalhar no xadrez de outra maneira, onde a memória será utilizada,
mas não como único meio, mas antes como parte e sem tanta intensidade. Essa alternativa
de estudo é o que chamo de trabalhar através da conceituação dos lances, seja
lá quais forem eles: abertura, defesa, meio-jogo ou final. Todos esses
segmentos podem ser conceituados e, inclusive, foram criados dentro desse parâmetro
conceitual.
Conceituar significa compreender o
plano de determinada combinação de lances. Em outras palavras, significa entender
qual a estratégia adotada e proposta para atingir determinado objetivo, seja na
abertura, meio-jogo ou final. Sempre há metas a serem atingidas e se sabermos
quais são elas, poderemos compreender o porquê de cada lance em determinada
combinação e respeitando determinada ordem.
Para isso vamos utilizar as
seguintes variações de tema como exemplo de conceituação:
VARIAÇÕES DE
ABERTURAS COM e4:
1-e4; e5;
2-Bc4,Bc5; 3-Dh5.
1-e4, e5;
2-Bc4, Cf6;
1-e4,e5;
2-Cf3,Cc6; 3-Bc4, Cf6; 4-Cg5 (ataque Fegatello).
Essas são
variações de um mesmo tema. Inicia com o tema do “Pastorzinho” e se desenvolve
até o “Ataque Fegatello”. Temas muito conhecido pela maioria dos praticantes do
jogo.
Então, vamos
analisar conceitualmente as variações acima.
1-e4 à Começar com o peão da ala do rei
ocupando o centro, significa que a estratégia de Brancas é atacar a ala do rei,
por isso o avanço deste peão. O peão pressiona as casas brancas de d5 e f5, ou
seja, ele quer controlar essas casas brancas por serem importantes para os dois
pontos principais de quem joga pela ala do rei: os pontos de f7 e h7. Logo, o
primeiro lance já traz consigo todo um conceito estratégico de jogo, projetando
toda a partida a frente, como se fosse um DNA de Brancas.
1-...e5 à Também começa com o peão de rei,
ocupando o centro, ou seja quer atacar a mesma ala do rei. Logo, ele terá os
mesmos objetivos, no caso atacar os pontos de f2 e h2. Por isso, ele quer
controlar as casas pretas de d4 e f4. É importante frisar que por enquanto não
há nenhum tipo confronto estratégico pois cada um está jogando por seus pontos
de ataque e não para se defender. Por isso, esses tipos de aberturas serem
chamadas de abertas, pois jogam e deixa o outro jogar.
Primeira
variação, do “Pastorzinho”:
2. Bc4 à Como Negras não jogaram contra o
plano de Brancas, esta aproveita e continua sua estratégia. Ao jogar esse
lance, tentar manter o controle sobre a casa d5 e, simultaneamente, a pressão
sobre a diagonal de a2-g8, mirando, principalmente, o ponto de f7. Além disso,
ao desenvolver as peças da ala do rei, libera o roque e pode, futuramente,
rocar e avançar peão de f, tentando abrir a coluna ou apoiar avanço dos peões
na ala do rei. Fiel ao conceito estratégico de seu primeiro lance.
2...Bc5 à Negras joga lance com o mesmo plano
de Brancas, atacar ponto de f2, controlando a diagonal de d5, desenvolvendo
peças da ala do rei e jogando por seu plano. Ainda aqui houve não nenhum
confronto entre as Brancas e as Negras.
3. Dh5 à Brancas se mantém fiel ao seu plano
inicial. Ataca peão de e5, sem defesa, querendo fazer com que o adversário
acredite que esse é seu único interesse. Mas o que ele objetiva realmente, é
atacar o ponto de f7, podendo no próximo lance dar xeque-mate.
Acredito que já ficou claro como se joga o xadrez de forma
conceitual. Mais do que lances, o que buscamos entender é o plano estratégico
que está por trás de cada lance. Se conseguirmos entender isso, acabaremos por
achar os lances, independente da memorização, pois é possível se chegar aos
lances pela compreensão dos verdadeiros objetivos que se escondem por trás
deles.
Assim, na segunda variação o jogador de Negras, ao
compreender qual o verdadeiro objetivo de Brancas ao jogar e4 e Bc4, joga no
lance 2-...Cf6, que defende a entrada da Dama. É óbvio, que ao jogar este
lance, Negras passa a jogar contra o plano de Brancas e com isso perde a
iniciativa de jogar por seu plano, pois luta para não deixar as casas brancas
sem defesa.
E, na terceira variação de nosso exemplo, Brancas ao ver que
Cf6 atrapalha o plano de ataque na ala do rei, elabora outra forma de explorar
a posição:
Ao invés de
jogar o 2-Bc4, prefere jogar Cf3, desenvolvendo o cavalo da ala do rei, atacando
o peão de e5, sem defesa, dando a impressão de ter aberto mão de seu plano estratégico
das casas brancas, já que passa a tentar atrapalhar o plano das Negras pelas
casas pretas. Ao mesmo tempo, força Negras a defender seu peão atacado. No
caso, Cc6, que defende e tenta manter o controle pelas casas pretas de d4.
Parece que Negras estão com iniciativa e se Brancas continuar jogando pelas
casas pretas é isso mesmo o estará acontecendo no tabuleiro.
Mas agora
Brancas joga 3.Bc4, que volta a jogar pelas casas brancas e pelo ponto de f7.
Negras
escolhe desenvolver cavalo em f6, atacando peão de e4, sem defesa. Quer
desenvolver as peças da ala do rei, para rocar rápido e defender o ponto de f2.
Dessa forma, Negras passam a jogar contra o plano de Brancas, perdendo a
iniciativa.
Aqui,
Brancas escolhe uma tática diferente de abordar o ataque em f7, que é o lance
4.Cg5, que ataca as casas brancas, mas agora com uma peça de valor inferior à
Dama, como vimos na variante do Pastorzinho. E assim por diante.
Pelo xadrez
conceitual fica claro a evolução e a criação de novas formas táticas para
explorar o plano estratégico escolhido na abertura, que no nosso exemplo, foi a
ala do rei, especificamente o ponto de f7.
Se jogarmos
dentro dessas premissas conceituais, seremos capazes de dialogar com o
adversário, com a posição, usando principalmente a compreensão ao invés de usar
somente a memória. Fica muito mais prazeroso jogar; você aprende muito mais e
acaba aplicando essa forma de ver conceitual no seu dia-a-dia, já que na vida
real, as coisas não são tão diferentes da estratégia do xadrez.
Nas próximas
postagens, faremos mais análises utilizando esse método do xadrez conceitual e
fazendo apartes conceituais na realidade cotidiana das pessoas.
Qualquer
dúvida ou comentário é só postar no Blog ou no Facebook.
Até a
próxima!
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